Sentença em juizado especial poderá demorar mais
Fonte: O Globo, 23/06/2014
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A tramitação dos processos nos Juizados Especiais Cíveis deve demorar de dois meses a um ano a mais, se o Projeto de Lei 5.41/13 for aprovado, avaliam especialistas em direito do consumidor. Cerca de 90% das ações nesses tribunais são relacionadas a problemas de consumo. A proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, na última semana. Encaminhada ao Congresso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o projeto cria a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal. Na prática, seria mais uma instância de recurso, criando seis degraus de tramitação.
Preocupados com o reflexo da aprovação do projeto de lei, a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), o Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje), o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor e alguns ministros do STJ têm se mobilizado contra a aprovação do projeto do Congresso, por entender que ele deixará o cidadão ainda mais distante de seus direitos. — Os juizados especiais, que representam o principal canal de acesso do consumidor à Justiça, especialmente os menos favorecidos, estão congestionados. As medidas deveriam ser para agilizar a tramitação dos processos e não para torná-la mais demorada ainda, como é o caso desse PL — diz Marilena Lazzarini, presidente do Conselho Diretor do Idec. O PL 5.741 estabelece que, se houver divergência entre os juizados especiais cíveis dos estados na apreciação de um processo, a solução será dada por uma turma nacional a ser criada, sob presidência de ministro indicado pelo STJ. O relator da proposta, deputado Paes Landim (PTB-PI), diz, em seu relatório, que a medida evitará que decisões contrárias à orientação dominante no STJ se tornem definitivas, além de diminuir o volume de processos no próprio Superior Tribunal. Para a ministra Nancy Ardrighi, o PL só interessa às empresas: — Esse projeto só interessa a bancos, grandes consórcios, empresas de telecomunicações que vão tentar postergar ao máximo o direto do consumidor. Ele vai pôr abaixo o juizado especial, que se pretende uma Justiça célere, pois abala um de seus principais pilares que é o julgamento por equidade, bom senso. Pois como é possível uniformizar sentenças julgadas a partir da equidade, que é um valor subjetivo? — avalia. Risco de sobrecarga ao STJ O juiz do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) e vice-presidente do Fonaje, Gustavo Diefenthaler, diz que nem a argumentação de que a proposta ajudaria a desafogar o STJ se justifica, já que o número de ações provenientes dos juizados especiais com relação a questões de consumo é mínimo. — A criação de mais uma etapa nesse processo vai causar mais morosidade. A criação dos juizados especiais cíveis foi uma grande conquista, assim como o próprio Código de Defesa do Consumidor. Antes dos juizados, quem se atreveria a entrar na Justiça para brigar por um celular? — questiona Diefenthaler. Outro ministro do STJ que votou contra a proposta, Marco Aurélio Buzzi diz que as emendas ao PL 5.741 vão contra a própria filosofia de criação dos juizados especiais. Segundo ele, a criação de mais um órgão de uniformização não terá efeito prático, e vai sobrecarregar ainda mais o STJ. Buzzi lembra que, dentro do próprio STJ, os ministros estão divididos: a medida passou por apenas um voto de diferença. Buzzi explica que, hoje, em caso de discordância nos juizados especiais dos estados, a questão é levada à turma de recurso. De lá, persistindo o impasse, segue para a turma estadual de uniformização, e agora seguiria para a turma nacional de uniformização. Se, neste ponto, a decisão proferida for contrária ao entendimento do STJ, a questão voltaria ao STJ. Segundo o ministro, a criação de uma nova barreira não vai mudar em nada. — Há dois anos, quando o projeto estava em votação no STJ, fiz um levantamento e constatei que havia mais ou menos duas mil ações dos Juizados Especiais para apreciação no tribunal. Então não há necessidade de se criar uma nova esfera, que só vai representar maior custo operacional e maior tempo de análise. Relator do projeto no âmbito do STJ, o ministro Luis Felipe Salomão defende o PL 5.741 e lembra que, em 1988, a Constituição confirmou a experiência dos juizados de pequenas causas que cresceram em todo o país. Salomão observa, porém, que essa conquista trouxe também um boom de demandas, congestionando o sistema, a ponto de um processo levar hoje até dois anos para conclusão. — Quando cada tribunal entende uma lei de maneira diferente, o STJ precisa uniformizar essa interpretação. Então, para o sistema do juizado especial é preciso ter uma turma nacional de uniformização. Essa criação não é um degrau, uma instância a mais. Ela vai dar organicidade ao sistema e evitar a insegurança jurídica, pois evitará que uma turma recursal decida de uma maneira, enquanto a de outro estado dê outro parecer — diz Salomão. O ministro do STJ rebate o argumento que se criariam mais despesas: — Os juízes dos estados selecionados integrarão essa turma e terão reuniões periódicas, que poderão ser feitas, inclusive, por videoconferência. Os julgamentos deverão ser feitos em até dois meses. Bom para empresa ou consumidor? Salomão diz que, com o PL, o consumidor sairá ganhando: — Hoje, quem tem recurso para fazer uma reclamação no STJ são as empresas, que ficam numa situação cômoda. O consumidor não tem como pegar um advogado, levar para Brasília. Na minha ótica,o cidadão será beneficiado. No fundo, o grupo que não é a favor dessa turma não quer perder seus poderes. É uma guerra de vaidade que prejudica o cidadão. O juiz Flavio Citro, coordenador do Centro de Conciliação dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), diz que, na Justiça, um processo comum demora, em média, de cinco a dez anos. No juizado especial, no qual o processo é julgado em dois graus, a sentença é dada, normalmente, em um prazo de quatro a seis meses. — Todo mundo que lida com o juizado especial é contra a criação da turma nacional de uniformização. Porém, entre a reclamação no STJ e a criação da turma, prefiro a criação da turma, porque vai estabelecer regras, regulamentar, organizar. O mal maior já existe, que é a reclamação no STJ, então é melhor criar regras. Mas se me perguntar se precisa criar essa turma, digo que não — diz Citro. Para Citro, a turma nacional de uniformização está sendo criada por pressão de empresas: — Haverá uma demora de, no mínimo, mais um ano. Com certeza as empresas que perderem vão recorrer. |