Pai e filho deverão pagar multa em favor de construtora por prática de lide simulada
Você já ouviu falar de “lide simulada”? Pois foi com uma verdadeira aula sobre o tema que o juiz Carlos Roberto Barbosa, titular da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, extinguiu sem resolução do mérito, ou seja, sem entrar no mérito da questão, um pedido de declaração de vínculo de emprego. E mais: ele considerou o reclamante e a primeira ré, uma pequena empresa pertencente ao pai do autor, litigantes ímprobos, condenando-os solidariamente, ao pagamento da multa de 1% do valor dado à causa, em favor da construtora reclamada. Entenda o caso: O reclamante ajuizou ação contra a empresa de pequeno porte e uma grande construtora, pedindo o reconhecimento da relação de emprego diretamente com a segunda, além de vários outros direitos. No entanto, ao analisar as provas, o magistrado não teve dúvidas de que ele e a primeira ré simularam a lide para prejudicar a construtora. Os sinais nesse sentido foram indicados na sentença: a começar pelo fato de o reclamante ser filho do sócio da primeira reclamada. Quando o Oficial de Justiça tentou notificar a empresa, encontrou no local indicado como sede dela o próprio reclamante. Segundo a certidão emitida pelo oficial, o autor afirmou que residia no local e que ali recebia notificações de audiência em nome da empresa. O endereço foi confirmado pelo pai do autor, ficando claro que o reclamante e o proprietário residem no mesmo local. Em sua decisão, o juiz registrou ainda que o sócio da primeira ré compareceu espontaneamente nos autos, para dar por notificada a empresa, mesmo sem ter comparecido à audiência em que deveria se defender. E em depoimento, o reclamante afirmou que atuava no canteiro de obras, sendo quem coordenava o trabalho dos empregados da primeira ré. Ele disse que assinava documentos quando o seu pai não estava presente. Conforme declarou, o salário teria sido ajustado com o pai, conforme documentos apresentado nos autos. “O demandante atuava como alter ego da primeira reclamada, dentro de um conglomerado familiar” concluiu o magistrado com base no acervo probatório. Ele se valeu de lição do Ministro do TST, José Roberto Freire Pimenta, para esclarecer sobre as chamadas lides simuladas, que têm aumentado de forma assustadora nos últimos anos na Justiça do Trabalho. Essa prática, conforme explicou, consiste em exigir do empregado dispensado que ele ajuíze reclamação trabalhista para receber verbas rescisórias incontroversas, frequentemente em valor menor que o devido, fora do prazo legal e até de forma parcelada. O empregado deve dar plena quitação, não apenas por seus pedidos iniciais, como também pelo extinto contrato de trabalho, com os efeitos da coisa julgada previstos no parágrafo único do artigo 831, da CLT. No entender do julgador, o caso analisado foi um pouco diferente, mas com igual intuito de fraude: pai e filho, o primeiro sob a roupagem de pessoa jurídica, buscam a Justiça do Trabalho para tentar conseguir vantagens financeiras, impondo responsabilização trabalhista a outra empresa, para a qual prestavam serviços. Tanto assim é que não foram levados ao processo recibos de salário ou quaisquer outros documentos relativos à relação de emprego entre o autor e a empresa do pai dele, à exceção da cópia da carteira de trabalho. Nas palavras do articulista citado pelo juiz, a principal consequência dessa nociva prática social é o esvaziamento real do Direito do Trabalho. Isto pela possibilidade de os empregadores obterem, com a involuntária chancela do Judiciário trabalhista, sua completa liberação de qualquer responsabilidade por seu descumprimento no curso dos contratos de trabalho. O artigo mencionado na decisão também se refere à evidente desmoralização a que a atividade jurisdicional é submetida. Conforme pondera, a Justiça do Trabalho, cuja estrutura já se encontra tão assoberbada por um número cada vez maior de litígios verdadeiros, vê-se ainda obrigada a dar andamento a um grande número de processos absolutamente desnecessários. Na verdade, a Justiça do Trabalho não é cúmplice ou responsável por essa situação, mas sim uma de suas vítimas. Ele reconhece a grande dificuldade em se apurar fraudes e simulações e, mesmo após detectá-las, em levantar o conjunto de fatos e de circunstâncias que permitiria constatar em que casos a conduta ilegal de determinados empregadores não se limita a ocasionalmente lesar os direitos individuais trabalhistas de alguns de seus empregados, passando, a ter repercussão coletiva, diante da generalização dessa prática. Ainda com base no artigo do Ministro José Roberto Freire Pimenta, o juiz sentenciante pontua que, no TRT de Minas, têm sido firmados numerosos Termos de Compromisso por empregadores que, até então, promoviam as lides simuladas em rescisões contratuais. Em nota de rodapé do trabalho, são citadas empresas que se obrigam a submeter ao sindicato profissional ou à autoridade do Ministério do Trabalho o pedido de demissão ou o recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho, firmado por trabalhador com mais de um ano de serviço, para fins de homologação. “Os fatos narrados, segundo já apontado, demonstram a maquinação perpetrada para malferir direitos, deixando o julgador com segurança para afirmar a fraude e o conluio para atingir, em um primeiro momento, a segunda reclamada, e, em segundo plano, o próprio Judiciário Trabalhista”, registrou o julgador, aplicando ao caso o artigo 9º da CLT, pelo qual serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na CLT. Para o juiz sentenciante, o caso é de extinção do feito, sem julgamento do mérito, sendo as partes carecedoras de ação, por falta de interesse de agir. Ele considerou o autor e a empresa do pai dele litigantes ímprobos, por usarem do processo para conseguir objetivo ilegal, alterando a verdade dos fatos. Nesse contexto, condenou-os, de ofício, solidariamente, ao pagamento da multa de 1% do valor dado à causa, a favor da segunda reclamada, no importe de R$ 1.600,00 (artigo 18 do CPC). E mais. Na visão do magistrado, o reclamante não tem direito à justiça gratuita, em função da postura assumida. Por tudo isso, diante dos fortes indícios de ausência de contrato de trabalho entre autor e primeira reclamada, o magistrado decidiu determinar a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público Federal, por possibilidade de crime contra a organização do trabalho, para que adotem as providências que o caso requer. O recurso ordinário interposto pelo reclamante não foi conhecido, por falta de pagamento das custas processuais. A Turma julgadora entendeu que o benefício da justiça gratuita não se estende a litigante que se utiliza do processo para fins ilícitos, alterando a verdade dos fatos, como no caso. “A presente ação não visa terminar uma demanda já existente, mas sim conferir validade à relação de emprego que jamais existiu de fato”, entenderam os julgadores, considerando deserto o recurso interposto. Processo: 0000726-50.2014.5.03.0106 RO Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, 21/08/2015 |