A prática na Incorporação Imobiliária e o Registro de Imóveis

 Por Carlos Alberto Diogo de Souza Filho, advogadoespecialista em Direito Imobiliário e em  Direito Notarial e Registral, Escrevente Registral (examinador) atuante no 9º Registro de Imóveis do Rio de Janeiro, professor da Pós-Graduação em Direito Imobiliário do IESAP/UCAM

Introdução

A partir de 2005 o mercado imobiliário vem sofrendo um intenso crescimento, o qual foi abrandado com a crise da “bolha imobiliária” ocorrida nos Estados Unidos em 2007, mas que voltou a crescer em 2009, e hoje se destaca principalmente em razão da expectativa gerada pela Copa do Mundo e pelas Olimpíadas, que ocorrerão em 2014 e 2016, respectivamente

O movimento do mercado, hoje, foi reduzido de forma branda, em razão da extrema elevação dos preços dos imóveis. Todavia, a crescente necessidade do ser humano em adquirir um imóvel mostra-se de forma essencial a aquisição dos imóveis na planta para a realização do sonho da casa própria.

Ao longo dos últimos dez anos, verificou-se o amplo crescimento do mercado imobiliário nacional diante da maior oferta de crédito para o produtor e para o consumidor, devido à maior segurança jurídica dada ao credor mediante a constituição da forma de garantia da alienação fiduciária de bem imóvel (Lei 9.514/97).

Outros destaques foram: o aumento da renda das famílias brasileiras, a redução exponencial da taxa básica de juros adotada pelo Banco Central e pelas Instituições bancárias nos contratos de financiamento e as medidas do governo visando diminuir o déficit habitacional, mediante programas de incentivos, como por exemplo, o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).

A aquisição dos imóveis na planta ou em construção é regulada pelo instituto da Incorporação Imobiliária através da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, a qual assegura o consumidor sobre os riscos e as incertezas junto à incorporadora e a construtora na compra de uma coisa que ainda nem existe.

A Lei 4.591 de 16 de dezembro de 1964 surgiu da necessidade social e foi elaborada para dar maior segurança e credibilidade aos imóveis vendidos na planta ou em construção, bem como uma ampla proteção aos interesses dos adquirentes, anteriormente omissa na legislação brasileira, principalmente quanto às garantias no caso da falência do incorporador.

 

Breves Considerações Sobre a Incorporação Imobiliária

O instituto da incorporação imobiliária é uma modalidade de constituição de condomínio edilício (especial) dentre as várias outras existentes na legislação brasileira.

Ao fazer uma análise sobre o artigo 1.331 do Código Civil, Caio Mário da Silva Pereira como um dos elaboradores do Anteprojeto da Lei 4.591/64, entende que: “(…) o que deflui do texto legal é que a propriedade horizontal ou o condomínio especial por unidades autônomas compreende um sistema em que a lei considera a edificação ou o conjunto de edificações como um todo, dividido este em unidades dotadas de autonomia, e como tais objetivamente consideradas, porém ligadas indissoluvelmente às respectivas frações ideais do terreno”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 10 ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.95).

A definição legal da atividade da incorporação imobiliária, no âmbito do Direito Civil Brasileiro, encontra-se no parágrafo único do artigo 28 da Lei n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, como “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”, ou seja, para vender duas ou mais unidades imobiliárias no mesmo terreno a serem construídas ou em fase de construção.
Em brilhante entendimento, Melhim Namem Chalhub entende que “a expressão incorporação imobiliária tem o significado de mobilizar fatores de produção para construir e vender, durante a construção, unidades imobiliárias em edificações coletivas, envolvendo a arregimentação de pessoas e a articulação de uma série de medidas no sentido de levar a construção até a sua conclusão, com a individualização e discriminação das unidades imobiliárias no Registro de Imóveis (CHALHUB, Malhism Namem. Da Incorporação Imobiliária. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.10).

A incorporação imobiliária não se realiza tão somente para imóveis residenciais e comerciais, mas também têm ocorrido em diversas modalidades condominiais, como por exemplo, Shopping Centers, Hotéis Residência, Condomínio de casas térreas ou assobradas, Cemitérios Privados, Casas de Campo, etc.

 

Outro ponto importante é entender a figura do incorporador, ou seja, quem a lei autoriza a praticar todos os atos de incorporador. Conforme o texto expresso nas alíneas a e b do artigo 31 da Lei 4.591/64, somente podem operar como incorporador o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário, bem como construtores e corretores de imóveis que atuem nessa atividade, sendo esses dois últimos através de mandato outorgado por instrumento público dos tipos de incorporadores anteriormente citados.

 

Entretanto, uma nova figura de incorporador foi inserida em 2010 no artigo 31 da Lei 4.591/64 em sua alínea c, o ente da Federação imitido na posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação em curso ou o cessionário deste, conforme comprovado mediante registro no registro de imóveis competente. Esse inciso foi incluído pela Lei nº 12.424, de 2011 convertido da Medida Provisória nº 514, de 2010 que alterou a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.

 

A finalidade do ente da Federação como incorporador é para efetuar a realização da incorporação de empreendimentos pelos entes públicos, de forma a viabilizar as operações do PMCMV em imóveis que ingressarem no FAR (Fundo de Arrendamento Residencial) com essa situação jurídica.

 

Em síntese, o incorporador é o sujeito, pessoa física ou jurídica, que mobiliza todos os fatores de produção para a realização da construção de unidades autônomas em edificações sob regime condominial, podendo ele mesmo ser o construtor ou contratar por terceiro a construção. Entre outras ações, ele coordena e leva a termo a incorporação, responsabilizando-se pela entrega da obra concluída no prazo contratado.

As várias atividades do incorporador encontram-se distribuídas em etapas através de uma detalhada estruturação imobiliária realizada para cada empreendimento imobiliário a ser construído. Dentre as etapas podemos citar: a Prospecção, análise e negociação do terreno; Estudo de viabilidade econômica/financeira, definição do produto e da modalidade da incorporação (“Preço Fechado” ou a “Preço de Custo”); Aquisição do terreno; Montagem Imobiliária (Definição dos participantes e contratos, legalização, composição e registro do memorial de incorporação, preparação do terreno e acessos); Planejamento Estratégico (Estratégia de venda, lançamento e início da comercialização); Campanhas e vendas; e Avaliação de resultado e legalização final no Registro de Imóveis competente.

Portanto, para a atuação do incorporador em todas essas fases da incorporação, o legislador apresenta na Lei nº 4.591/64 diversos deveres e obrigações que devem ser cumpridos pelo incorporador no início do empreendimento, bem como aquelas obrigações para com o adquirente vinculadas ao contrato de incorporação realizado que acompanharão durante o desenvolvimento da obra e até mesmo após a entrega das unidades.

Podemos citar como um dos deveres e obrigações do incorporador, a faculdade de estipular um prazo de carência para a efetivação da incorporação (alínea “n” do artigo 32 da Lei nº 4.591/64), sendo único e improrrogável, ou seja, caso ele veja que o empreendimento não foi aceito pelo mercado e não foram vendidas unidades imobiliárias necessárias para realização do empreendimento, o legislador admite o arrependimento no prazo estipulado para que não incorra em perdas e danos com os adquirentes, sendo necessária a denúncia por escrito averbada no Registro Imobiliário competente, bem como a comunicação por escrito a cada um dos adquirentes ou candidatos à aquisição (artigo 34, §4º da Lei nº 4.591/64).

A fim de combater a violação desses deveres e obrigações impostos ao incorporador, o legislador criou sanções específicas de natureza civil e penal expressas na Lei nº 4.591/64, como por exemplo, a destituição do incorporador presente no artigo 43, VI, quando sem justa causa paralisar ou retardar as obras demasiadamente as obras por maioria absoluta dos votos dos adquirentes.

Importantíssimo dever e obrigação do incorporador é o arquivamento no cartório competente de Registro de Imóveis do “memorial de incorporação”, contendo todos os documentos elencados no artigo 32 da Lei nº 4.591/64 e o registro da incorporação imobiliária (artigo 167, I, item 17 da Lei nº 6.015/73), para então obter a certidão do Registro Imobiliário que libera o lançamento do empreendimento imobiliário. Essa obrigação faz-se necessária para o início das negociações das unidades autônomas do empreendimento.

A prática na Incorporação Imobiliária e o Registro de Imóveis

 

Na prática, o registro do memorial de incorporação no Registro de Imóveis competente requer a apresentação de um requerimento e da documentação discriminada nas alíneas do Artigo 32 da Lei 4.591/64, regulado pelo artigo 1º do Decreto 55.815/65.

Em resumo, sobre a documentação do Artigo 32 da Lei 4.591/64 podemos citar: título de propriedade do terreno; certidões de tributos e de distribuições de feitos ajuizados do proprietário, do incorporador, dos sócios ou administradores quando pessoa jurídica e do imóvel; histórico dos títulos de propriedade; projeto de construção (licença de obras, plantas e Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) pelo responsável pela obra emitido pelo CREA); Cálculo das áreas das edificações (quadros de áreas I, II e IX da NBR 12.721); ) Certidão Negativa de Débito (CND) da Previdência Social e a Certidão Conjunta Negativa de Débitos relativos à Tributos Federais e à Dívida Ativa da União;  Memorial descritivo das especificações (quadros V a VIII da NBR 12.721); Orçamento da obra (quadros III e IV da NBR 12.721); Discriminação das frações ideais do terreno e sua vinculação às futuras unidades imobiliárias; Minuta da futura convenção de condomínio; Declaração de permuta do terreno por unidades a serem construídas e se o incorporador vai sub-rogar ou não o custo da construção das unidades que foram prometidas em pagamento do preço do terreno aos permutantes; Procuração outorgada por meio de instrumento público para atuar como incorporador (§ 1º do artigo 31 da Lei nº 4.591/64); declaração do prazo de carência; Atestado de idoneidade da incorporadora emitido por instituição bancária; e declaração e plantas elucidativas de vagas de garagem.

O memorial de incorporação compreende em um dossiê constando todos os documentos exigidos nas alíneas do artigo 32 da Lei 4.591/64, caracterizando e identificando todas as informações que envolvem o negócio da incorporação, bem como as partes envolvidas (proprietário e incorporador) para que possa ser examinado pelo Oficial de Registro de Imóveis.

 

Previsto no artigo 167, I, item 17 da Lei nº 6.015/73 após a análise do Oficial Registrador dos documentos elencados nas alíneas do artigo 32 da Lei nº 4.591/64 e cumprido pelo incorporador todas as exigências legais, esses documentos terão uma via arquivada e a outra via, devidamente carimbada, será devolvida ao incorporador. Após, será efetivado o registro na matrícula de origem do imóvel e em cada uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas conforme o artigo 237-A da Lei nº 6.015/73.

Entre as exigências legais constantes na Lei 4591/64, em especial nas alíneas do artigo 32 e na Lei 6.015/73, o Oficial do Registro de Imóveis competente deverá verificar a necessidade de outros documentos e atos (registros ou averbações) a serem realizados antes ou depois do registro do memorial de incorporação.

Cabe ao Oficial do Registro de Imóveis cumprir o Princípio da Legalidade, ou seja, promover a análise da legalidade dos títulos apresentados, a fim de verificar se a lei permite o registro do ato pretendido, visando à segurança jurídica e estabilidade dos negócios jurídicos imobiliários quanto à disponibilidade dos bens.

 

Conclusão

Por fim, mostra-se evidente a relevância do instituto da incorporação imobiliária para o mercado imobiliário, principalmente diante da grande expansão ocorrida nos últimos dez anos.

Cabe ao consumidor verificar se os incorporadores estão cumprindo com a obrigatoriedade de arquivar o memorial de incorporação no Registro Imobiliário competente, bem como se estão cumprindo com as obrigações impostas pela legislação, como a obrigação de construir e entregar as unidades imobiliárias prontas e acabadas.

Outra importante obrigação é se há a instituição dos condomínios edilícios pelo incorporador, visando a segurança jurídica dos empreendimentos e o cumprimento da função social do incorporador frente ao Direito Brasileiro.

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