20 anos de Defesa do Consumidor
Em comemoração aos 20 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, a Revista ABAMI entrevistou Werson Rêgo, Juiz de Direito, que ressalta os benefícios proporcionados pela lei à relação consumerista. Confira a entrevista completa.
Revista ABAMI: Como as disposições do Código de Defesa do Consumidor influenciaram os demais ramos do Direito?
Werson Rêgo: O Código de Defesa do Consumidor promoveu um corte no ordenamento jurídico brasileiro. Criou-se um sistema jurídico próprio, com princípios e regras que lhe são peculiares. As normas que compõem este novo sistema jurídico, autônomo e independente, tem características de normas de sobredireito.
O Código de Defesa e Proteção ao Consumidor tem, assim, a natureza de uma sobre-estrutura jurídica que se diz multidisciplinar porque incide sobre qualquer ramo do Direito, onde presentes os elementos de uma relação jurídica de consumo.
Não se trata, é bom esclarecer, de uma lei que guarde relação de generalidade ou de especialidade em relação às outras, porque não visa a regular qualquer relação jurídica, mas proteger um determinado e específico sujeito especial de direitos, onde quer que ele se encontre.
Desta forma, todos os demais ramos do direito foram beneficiados e influenciados pela nova maneira de se comunicar a legislação com o intérprete, isto é, principiologicamente, conferindo maior liberdade para o intérprete buscar solução mais justa em cada caso concreto.
Revista ABAMI: Qual foi o maior benefício trazido pela Lei 8078/90 no mercado imobiliário?
Werson Rêgo: No mercado imobiliário, especificamente, a legislação de proteção ao consumidor teve importante repercussão no âmbito da proteção contratual, notadamente no que respeita a redução de cláusulas abusivas inseridas nos contratos de compra e venda, além de proteger o consumidor contra publicidades enganosas.
Também teve importância marcante no que respeita a qualidade dos novos empreendimentos e incorporações imobiliárias. O mercado passou a buscar maior qualidade e variedade de serviços a preços compatíveis com as possibilidades dos consumidores, o que fez com que tal segmento da economia experimentasse expressivo crescimento, conseguindo se manter forte, mesmo em momentos de crises econômicas mundiais.
Revista ABAMI: Pode-se dizer que o Código de Defesa do Consumidor inibiu a má-fé na prestação de serviços por parte dos fornecedores? E quanto aos consumidores, estes estão mais exigentes depois do CDC?
Werson Rêgo: Complementando a questão anterior, a legislação consumerista procurou resgatar a ética nas relações negociais e efetivamente fê-lo através da aplicação dos princípios da equidade e da boa-fé. Consequentemente, a má-fé negocial perdeu espaço porque é expressamente vedada e veementemente reprimida, inclusive com severas sanções civis, administrativas e até penais para o infrator/fornecedor.
Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor procurou realçar a importância da educação para o consumo como relevante instrumento de cidadania. Com isso, de fato, consumidores se tornaram mais conscientes de seus direitos e, portanto, mais exigentes em relação à qualidade, segurança e eficiência dos produtos e serviços que lhe são oferecidos.
Nesses últimos 20 anos, foram muito importantes iniciativas de entidades ligadas aos direitos e à defesa dos consumidores, promovendo eventos, palestras, seminários, cursos sobre o tema. E, do mesmo modo, as universidades e os cursos livres, inserindo em seus programas de graduação, pós-graduação e atualização a cadeira de Direito do Consumidor.
Penso que, desta forma, estamos mais próximos de atingirmos os objetivos almejados pela legislação consumerista, notadamente no que respeita ao alcance do equilíbrio e da harmonia entre fornecedores e consumidores.
Revista ABAMI: A sociedade mais exigente fez surgir o Código de Defesa do Consumidor ou foi a legislação que o fez?
Werson Rêgo: O Código de Defesa do Consumidor, em verdade, é resultado do amadurecimento da sociedade. Desde meados dos anos 60, marcadamente nos Estados Unidos, teve início um movimento organizado visando a defesa dos interesses dos consumidores. Por duas décadas, o mundo viu surgir diplomas jurídicos com esta finalidade.
O que fizemos foi, a partir de experiências então conhecidas, elaborar uma lei de proteção e defesa do consumidor moderna e dinâmica, que acabou servindo de referência mundial para aquelas que lhe seguiram.
Pode-se dizer, então, que a vontade da sociedade, aqui e alhures, fez com que os movimentos consumeristas resultassem na elaboração de regras voltadas à proteção e defesa deste sujeito especial de direitos.