Arbitragem nas relações de consumo em debate

 

Fonte: Diário do Comércio, 03/02/2014

Está na fase final de recursos no Senado o Projeto de Lei 406/13, que trata da arbitragem, inclusive nas relações de consumo. E isso vem preocupando os especialistas em defesa do consumidor, mesmo o texto dizendo que “nos contratos de adesão a cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em documento apartado”.

 

Ou seja, o consumidor terá de ser informado sobre a cláusula e dar ciência no contrato que aceita essa forma de solução de conflitos se eles vierem a ocorrer. Se aprovado pelo Senado, o PL vai para a Câmara e, se passar pela Casa, alterará as Leis 9.307/96 e 6.404/76.

 

O Procon-SP é contrário ao artigo 4º do PLS e chegou a encaminhar ofício ao Senado para firmar seu posicionamento. Para o órgão paulista de defesa do consumidor, o projeto não prevê procedimento específico para a instituição da arbitragem nas relações de consumo. “E isso teria de haver em razão da vulnerabilidade do consumidor”, explica Andrea Sanches, diretora de Programas Especiais da Fundação Procon-SP.

 

Para a especialista, conforme está o texto, quem está do lado de fora do balcão não terá a oportunidade de negociar cláusulas contratuais, tampouco receberá informações suficientes sobre os termos da arbitragem. “Sem contar que o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que trata de cláusulas abusivas, veda a compulsoriedade da arbitragem”, declara. “Sempre deixamos bem claro que o Procon-SP não é contra a arbitragem e, sim, à forma pela qual está sendo colocada neste projeto de lei”, acrescenta Andrea Sanches.

 

Ela alerta que nos Estados Unidos o uso da arbitragem nas relações de consumo foi banido em 2008, após escândalos envolvendo o Fórum de Arbitragem Nacional (NAF, na sigla em inglês), como o de escritórios de advocacia que eram donos do tribunal arbitral e representavam fornecedores que estabeleciam compulsoriamente a arbitragem por meio de cláusulas em contratos. “A experiência americana mostra que o uso da arbitragem nas relações de consumo não é positivo como se quer imprimir.”

 

Celeridade – Há consenso entre os que atuam do lado de dentro do balcão que a arbitragem é um bom “remédio” para dar celeridade às ações judiciais. Nas relações de consumo, entretanto, ressalta Alvaro de Carvalho Pinto Pupo, advogado do escritório Pinhão e Koiffman Advogados, “é difícil imaginar as vantagens da arbitragem, uma vez que ela tem custos que são rateados entre as partes”.

 

O advogado lembra que os Juizados Especiais Cíveis não oneram o cidadão, razão pela qual ele vai querer continuar buscando esse recurso para resolver suas pendências em conflitos nos contratos de adesão firmados com planos de saúde, instituições financeiras ou empresas de telecomunicações, etc. “As construtoras já estão colocando em seus contratos de compra e venda de apartamentos cláusulas arbitrais com os custos divididos entre as partes. Aí depende de o consumidor dizer se está de acordo ou não”, acrescenta.

 

A arbitragem, conforme o advogado Alvaro Pupo, é um fórum particular no qual os interessados arcam com as despesas da ação. É comumente utilizada em processos que envolvem valores consideráveis e as partes querem uma solução rápida. “O tempo médio para a finalização de um caso na Justiça Estadual de São Paulo é de 7 anos. Na arbitragem, em média, 14 meses.”

 

Consumidor busca solução no Procon e nos Juizados Especiais Cíveis

 

Buscar a solução de conflitos nos Procons ou nos Juizados Especiais Cíveis (JECs) quando não encontram as “portas” abertas nas empresas têm sido a via-sacra de consumidores que se sentem lesados por seus fornecedores. Os números do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) provam isso. Em 2012 (os números do ano passado ainda não foram divulgados), os Procons do País com convênio com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) registraram mais de 2 milhões de atendimentos, crescimento de 19,7% na comparação com 2011.

 

Nos Juizados Especiais Cíveis, conforme números do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foram abertos em 2012 pouco mais de 1,23 milhão de ações. Cerca de 60% são decorrentes de relações de consumo. No País, estima-se, que há cerca de 40 milhões de ações no Judiciário só de relações de consumo. “A justificativa para o PL 406/13 é a redução de conflitos no Judiciário das questões de consumo”, afirma Andrea Sanches. “Ou seja, querem transferir os custos para a resolução dessas pendências para o consumidor”, finaliza a representante do Procon-SP.

 

O QUE DIZ O CDC

 

São direitos básicos do consumidor:

 

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

 

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

 

Artigo 51

São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

 

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

 

II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

 

III – transfiram responsabilidades a terceiros;

 

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

 

V – (Vetado);

 

VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

 

VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

 

VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

 

IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

 

X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

 

XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

 

XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

 

XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

 

XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

 

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

 

XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

 

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

 

I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

 

II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

 

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

 

§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

 

§ 3° (Vetado).

 

§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

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